Muito já se discutiu sobre a incidência, ou não, de contribuição previdenciária sobre o vale transporte pago em pecúnia.
Amparados em acordos ou convenções coletivas, muitos empregadores tem preferido fornecer em dinheiro o vale transporte a eles devido. A medida gera economia a ambas as partes da relação laboral, na medida em que o empregado teria que pagar taxa à empresa fornecedora de vale-transporte em forma de tíquete ou cartão. Por outro lado, o empregado pode utilizar esse valor da maneira que melhor lhe convier.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha decidindo que, quando pago em espécie, o vale-transporte perdia sua natureza indenizatória, tornando-se salário. Assim, sobre o vale-transporte pago em dinheiro deveria incidir contribuição previdenciária.
O Supremo Tribunal Federal (STF), nos autos do leading case RE 478410, decidiu em sentido oposto. De acordo com o STF, o vale-transporte tem por finalidade indenizar o empregado pelos gastos no deslocamento até o local de trabalho. O fato do vale-transporte ser pago em pecúnia ou não interfere na finalidade dessa rubrica. Com efeito, mesmo pago em dinheiro, o vale-transporte continua servindo para compensar o empregado pelos gastos no seu deslocamento até o local de labor. Uma vez de natureza indenizatória, não deve incidir contribuição previdenciária sobre vale-transporte.
Entendemos que o raciocínio exposto pelo STF aplica-se, também, a eventual tributação de imposto de renda sobre vale-transporte pago em pecúnia. Outro ponto que merece consideração é a impossibilidade de pagamento de valor muito elevado aos empregados a título de vale-transporte, como medida para evitar tributação. Se o valor pago a título de vale-transporte não corresponde ao custo de transporte propriamente dito, a verba deixa de ter caráter indenizatório e torna-se salário. Essas questões, contudo, não foram objeto de discussão no precedente RE 478.410.
Transcrevo a ementa do precedente do STF:
EMENTA: RECURSO EXTRORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. INCIDÊNCIA. VALE-TRANSPORTE. MOEDA. CURSO LEGAL E CURSO FORÇADO. CARÁTER NÃO SALARIAL DO BENEFÍCIO. ARTIGO 150, I, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. CONSTITUIÇÃO COMO TOTALIDADE NORMATIVA. 1. Pago o benefício de que se cuida neste recurso extraordinário em vale-transporte ou em moeda, isso não afeta o caráter não salarial do benefício. 2. A admitirmos não possa esse benefício ser pago em dinheiro sem que seu caráter seja afetado, estaríamos a relativizar o curso legal da moeda nacional. 3. A funcionalidade do conceito de moeda revela-se em sua utilização no plano das relações jurídicas. O instrumento monetário válido é padrão de valor, enquanto instrumento de pagamento sendo dotado de poder liberatório: sua entrega ao credor libera o devedor. Poder liberatório é qualidade, da moeda enquanto instrumento de pagamento, que se manifesta exclusivamente no plano jurídico: somente ela permite essa liberação indiscriminada, a todo sujeito de direito, no que tange a débitos de caráter patrimonial. 4. A aptidão da moeda para o cumprimento dessas funções decorre da circunstância de ser ela tocada pelos atributos do curso legal e do curso forçado. 5. A exclusividade de circulação da moeda está relacionada ao curso legal, que respeita ao instrumento monetário enquanto em circulação; não decorre do curso forçado, dado que este atinge o instrumento monetário enquanto valor e a sua instituição [do curso forçado] importa apenas em que não possa ser exigida do poder emissor sua conversão em outro valor. 6. A cobrança de contribuição previdenciária sobre o valor pago, em dinheiro, a título de vales-transporte, pelo recorrente aos seus empregados afronta a Constituição, sim, em sua totalidade normativa. Recurso Extraordinário a que se dá provimento.
(STF, RE 478410, Relator: Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 10/03/2010, DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT VOL-02401-04 PP-00822 RDECTRAB v. 17, n. 192, 2010, p. 145-166, destacou-se)